A síndrome do bebê esquecido

Não sei se você sente o mesmo, mas sempre que eu vejo esse tipo de notícia, fico mal. Um bebê de 5 meses, na cidade de Araçatuba/SP, morreu esquecido dentro do carro, vítima da chamada Síndrome do bebê esquecido (SBE). Os sentimentos são mistos de repulsa, dor e pena, tanto pela pequena vida perdida, quanto por todo o sofrimento do afetado, seus pais e família.

Mas esse é um assunto sério, que inclusive está sendo motivo de ações efetivas nos Estados Unidos e até no nosso país.  Creio que soluções simples e com auxílio da farta tecnologia que já temos, podem evitar que algo tão sofrido continue a acontecer. É muito estranho e triste para mim, que o homem que deseja ir para Marte, não olhe e proteja suas crianças de um sofrimento tão grande.

Então, resolvi comprar a briga e tentar conscientizar as pessoas e pedir que comecem ações efetivas para resolver esse problema que parece acontecer com cada vez mais frequência.

Quais são os números?

Podemos chamar a SBE um problema mundial, apenas pouco estudado. Em um dia de sol quente, o interior de um veículo fechado pode atingir 70 graus de temperatura, o que pode levar um bebê morrem em menos de 1 hora, com um quadro de desidratação grave por hipertermia.

estados-unidosNos Estados Unidos, onde já existem números bastante fidedignos, estima-se um total de 661 mortes entre 1998 e 2015, com uma média de 37 mortes por ano. Lá, metade dos casos (54%), são um dos pais que esqueceu a criança no carro e o restante dos casos dividem-se entre crianças que conseguiram entrar e não conseguem sair (29%) e 17% de casos em que foram esquecidas deliberadamente.

A maioria das mortes ocorreu em crianças menores de 3 anos de idade (80%) e predominantemente no verão (70%) e nos estados com as mais altas temperaturas.

Um estudo sobre o tema na Itália, publicado em 2013, verificou que entre Maio de 2011 e Agosto de 2012, ocorreram 16 casos de crianças esquecidas no carro, com 3 fatalidades.

No Brasil, em Julho de 2016, foi publicado o primeiro estudo sobre o tema, pelos autores Driely Costa e Andrew Grudstein. O estudo verificou que entre 2006 e 2015, houve 21 incidentes, com 10 mortes. A maioria tinha menos de 2 anos de idade (58%) e foi esquecida não intencionalmente (71%). No estudo, as crianças foram mais esquecidas pelo pai (42%), seguido da mãe (32%) e em 3% dos casos por ambos.

Quanto à questão geográfica, a maioria dos casos ocorreu na região sudeste, especialmente no estado de São Paulo e nos arredores da capital, nos dias de semana e nas estações mais quentes. Um ponto importante a destacar, é que uma grande parcela dos casos ocorreu quando a criança estava sendo levada para a creche ou escolinha.

O que explica?

Simplesmente uma competição entre sistemas de memória do cérebro. Eu sei que nós tendemos a julgar os pais, culpar a correria moderna e a luta incessante contra o tempo. Mas antes disso, vamos entender o que pode ser passar com um cérebro acostumado a fazer ações no “automático”.

A hipótese levantada por um especialista no tema, o Dr. David Diamond, Professor de Psicologia, Farmacologia e Fisiologia Molecular da Universidade do Sul da Flórida, é que há uma competição entre o sistema de memória habitual do cérebro e o sistema prospectivo de memória, e o primeiro prevalece sobre o segundo. Então, quando você executa uma ação rotineira e o cérebro trabalha no seu “piloto automático”, uma outra ação fora da rotina, que depende do sistema de memória prospectivo pode desencadear uma competição entre os sistemas e o habitual prevalece. 1-anepidemicof

Por isso é tão frequente que pais esqueçam o filho no carro no trabalho, quando deveriam tê-los levado antes à creche ou escolinha, se isso é fora da sua rotina, ou seja, se não era uma tarefa habitual. A tarefa habitual prevalece e compete com a necessidade do momento e simplesmente ocorre o trágico “apagão” cerebral.

Obviamente, para um fato desses acontecer, há fatores contribuintes como o estresse, a falta de sono e a má alimentação, que deixam o cérebro trabalhando no limite, mais suscetível a falhas.

 

Já existe tecnologia?

Sim, já existem diversas opções para proteção. Como não quero tornar o post longo e enfadonho, vou mostrar as opções que já existem no mercado brasileiro e internacional que considerei mais relevantes. Elas variam em funcionalidade, custo e eficácia.

  • Cadeirinha Smart 

Desenvolvida pelo engenheiro da computação Rodrigo Simon, que já apresentou seu invento em diversas ocasiões na mídia, fez apresentação na NASA e recentemente gravou e foi aprovado em episódio ainda para ser veiculado do reality show Shark Tank Brasil. O dispositivo entrará em comercialização e funciona como um computador de bordo conectado à cadeirinha e ligado ao celular, com 3 opções de modelos, que acionam a buzina do carro e o pisca alerta após desligar o carro, caso o bebê permaneça na cadeira, pode mandar SMS para números cadastrados com alertas e até contar com GPS e localizador. Os preços variam entre R$30,00 e R$150,00. Ele vem lutando para que as empresas do ramo e as montadoras utilizem seu dispositivo como item de segurança básico.15205656_1784223748495892_780586456_o

 

  • Waze – Lembrete de criança

O aplicativo Waze conta em suas configurações com um lembrete de crianças, pode ser configurado em Menu > Configurações > Geral > Lembrete de criança > Ative a opção “Autorizar lembretes”

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  • Piuui – Aplicativo para segurança no tráfego

Um aplicativo móvel, tanto para plataformas IOS, quanto Android, que se torna um companheiro na condução segura, pois avisa da condição das estradas, alerta para ligar faróis e avisa da presença dascrianças configuradas no carro. O melhor, é grátis.

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  • Bebê alerta (http://www.bebealerta.com.br/)

Outro aplicativo que ajuda a gerenciar a vida do bebê, incluindo um alerta de check in/check out para escola/creche e comunicação com os professores. Mais uma solução gratuita e fácil de utilizar, disponível nas plataformas IOS e Android. Lembro somente que os aplicativos acima não funcionariam em um esquecimento intencional, que correspondem a cerca de 20% dos casos.

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  • Uma invenção caseira de uma menina muito esperta

 

  • O primeiro carro no mundo com um alerta para não esquecer o bebê – iReminder

A necessidade de uma solução para todos os casos

Pelo que você leu acima, esse é um problema sério, que tem soluções tecnológicas sendo desenvolvidas e pensadas. Mas aí eu pergunto: porque a indústria não cria uma solução e oferta como item de segurança básica dos carros. Claro que um alerta bastaria para os esquecimentos involuntários, mas não seria suficiente para casos de esquecimentos intencionais.

Nesse último caso, teríamos que ter dispositivos de detecção de movimento, ou que as cadeirinhas sempre alarmassem o carro depois de certo tempo com o motor desligado e com os vidros fechados.

Nos Estados Unidos, esse ano, um projeto de lei já torna obrigatório, em até 2 anos, que exista um alarme de segurança nos carros. Você pode consultar aqui: https://www.congress.gov/114/bills/hr6041/BILLS-114hr6041ih.pdf

Quem sabe não podemos com  força das redes, pressionar a indústria (ANFAVEA?) e os políticos, para que exista um projeto semelhante e possamos de uma vez por todas evitar que esse tipo de acontecimento aterrador aconteça no nosso país.

 

 

 


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Dr Flávio Melo - pediatra

Atua em consultório privado na cidade de Solânea/PB há mais de 19 anos e trabalha como coordenador no Hospital Regional de Guarabira, do projeto da Rede de Cardiologia e Perinatologia da Paraíba, que atende crianças com problemas cardíacos congênitos. Atualmente, ajuda a milhares de mães, pais e responsáveis, em todo o país, através da transmissão do seu conhecimento sobre cuidado de crianças e bebês, com uma linguagem simples, prática e acessível, por meio de conteúdos diários que impactam mais de 690 mil pessoas pelo Instagram, no perfil @flaviopediatra Enxergo que o futuro da prevenção na criança, passa por uma atuação nos hábitos familiares e estilo de vida, desde antes do casal engravidar.

Um comentário em “A síndrome do bebê esquecido

  • 28 de novembro de 2016 a 11:48
    Permalink

    Sempre pensamos que é o tipo de coisa que só acontece “com os outros”, mas todos estamos sujeitos a falhas. Esses dispositivos seriam muito bem vindos, poupando vidas inocentes e promissoras. Um custo baixo frente a vida da minha filha (na minha concepção).
    Triste. Muito triste.

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